Pessoas vêm usando tecnologia para escrever biografias não-autorizadas e com informações duvidosas
Com a morte de Joseph Lelyveld, ex-editor executivo do The New York Times, no mês passado, vários obituários surgiram nos principais veículos de notícias, porém, além disso, ao menos meia dúzia de biografias não-autorizadas do jornalista foram publicadas na Amazon logo após sua morte.
Várias delas estavam disponíveis no mesmo dia de seu falecimento. Os livros, segundo Michael Lelyveld, irmão de Joseph, o descrevem como um fumante inveterado, que aprimorou as suas habilidades no Cairo (Egito) e trabalhou como repórter no Vietnã, algo irreal. “Querem lucrar com sua dor”, disse Michael, segundo a Folha de S.Paulo.
Esses tipos de publicação vêm ganhando cada vez mais popularidade com a evolução da inteligência artificial (IA), que os produz com pouca qualidade e pouca ou nenhuma referência.
Entre as biografias que surgiram logo após a morte de Lelyveld, estava “Além da Assinatura: Desvendando o Coração de Joseph Lelyveld: O Homem que Fumou seu Caminho para a História”. O GPTZero, que detecta textos gerados por IA, há 97% de chance de que o livro tenha sido escrito pela tecnologia
Quem também foi vítima desse estilo macabro de escrita foi Tom Smothers, do programa de televisão “Smothers Brothers Comedy Hour” que foi sucesso nos anos 1960. Smothers faleceu em 26 de dezembro passado e, no mesmo dia, um novo livro com título desajeitado e gramaticalmente incorreto ficou disponível na Amazon: “Tom Smothers: Revelando Quatro Verdades Não Contadas Sobre a Metade dos Irmãos Smothers”.
Mais um falecido famoso que foi alvo das biografias pobres feitas por IA foi o cantor de música country Toby Keith. Uma das publicações, que começaram a sair este mês, veio com aviso incomum: “O autor e editor não dão garantias sobre a precisão ou completude do conteúdo. Qualquer semelhança com pessoas reais é mera coincidência.”
Variedades de publicações
Alguns desses livros, como “Chita Rivera: Biografia e Memórias de Chita Rivera, a estrela de ‘Amor, Sublime Amor’”, estavam disponíveis até mesmo no Kindle Unlimited, que paga aos autores por visualização de página;
Outros títulos estão disponíveis para Kindle e até mesmo em versão física. Por US$ 3,25 (R$ 16,11 na conversão direta), os clientes poderiam comprar cópia para o Kindle de “Biografia de Norman Lear, um Lenda da TV que Morre aos 101: Uma Biografia da Lenda da Comédia Norman Lear, Legado, Conquistas e Coisas que Você Provavelmente Não Sabe sobre Ele”;
A Amazon não quis comentar o tema, contudo, poucos dos livros publicados na plataforma tinham avaliações de clientes;
Desses, todos têm péssimas avaliações;
Leitores decepcionados descreveram um livro como “um panfleto de 60 páginas”, outro como “um folheto glorificado” e um “roubo”.
Vantajoso
Mesmo com pagamentos baixos aos “autores”, a facilidade de criar esses livros, já que é a IA quem os produz, pode valer a pena se a quantidade vendida for alta. A exemplo: um autor, listado como Bettie Melton, publica vários livros por mês.
Entre suas “obras”, estão biografias de celebridades falecidas recentemente, como Henry Kissinger (ex-Secretário de Estado dos EUA) e o músico Myles Goodwyn. Porém, engana-se quem pensa que só mortos têm vez com a IA: Bill Belichick, técnico de futebol americano.
Segundo Edward Tian, fundador do GPTZero, “é estatisticamente quase impossível que esses livros tenham sido escritos por humanos”.
Diretrizes da Amazon sobre IA
As diretrizes de publicação própria do Kindle são claras: autores e editores precisam ser sinceros e informar se o conteúdo publicado é gerado por IA. Lindsay Hamilton, porta-voz da Amazon, disse que a empresa permite a venda de livros gerados por IA, exceto se criarem “experiência ruim para o cliente”.
Quando a Amazon foi alertada sobre várias das biografias citadas anteriormente, todas ranqueadas pelo GPTZero como sendo muito provavelmente 100% de IAs, ela as removeu de sua plataforma de vendas. “Temos medidas proativas e reativas para avaliar o conteúdo em nossa loja e removemos vários títulos que violaram nossas diretrizes”, continuou Hamilton.
Apesar de não comentar oficialmente sobre o assunto, a empresa fundada por Jeff Bezos disse que não pode fornecer informações de contato para aqueles que publicam em seu site, além de ser difícil identificar quem produz tais livros. É comum que nenhuma editora seja listada e o autor pareça não existir, ou até mesmo o nome de uma pessoa falecida retirado da internet.
Como exemplo, a Folha relata que Lori M. Graff foi listada como autora de livros sobre Keith e Lelyveld, entre muitos outros. Contudo, no topo de uma pesquisa no Google por “Lori M. Graff”, é possível vermos um obituário de uma mulher que morreu em 2016 com este nome.